Como escrever na Freewrite
Essa aí é minha máquina de escrever moderninha. As pessoas gostam quando eu coloco foto dela no Instagram, sempre rende elogio:
A máquina chama Freewrite e já não é mais tão moderninha assim: chegou em 2015 e na época registrei todo meu deslumbre com um post no meu blog.
Passados cinco anos (e quatro casas diferentes) ela continua em uso, confirmando o status de bom gadget, porque produto bom é aquele que dura através dos anos — quem dera celulares fossem assim. Também continua rendendo DM querendo saber do que se trata (cof cof, contatinho, cof cof), então tava na hora de atualizar o relato.
A Freewrite nasceu como "Hemingwrite", uma homenagem ao Hemingway (que, acho, escrevia em papel), via crowdfunding. Encomendei a minha, como apoiadora da campanha, lá no distante ano de 2014 por um valor aproximado de U$300, acho. Foi um bom negócio, ainda mais considerando que usei horrores a bichinha e ela, apesar de suja (culpa minha), continua funcionando como no primeiro dia. Sem contar que na época um dólar não custava dez mil reais.
Em poucas palavras, a Freewrite é uma máquina de escrever com teclado mecânico e visor de digital ink (igual aos Kindle da Amazon) que pode ser conectada via WiFi ao seu email e nuvens. É leve, bonita e funciona dentro do que se propõe: escrever e transferir, apenas. Ela também é portátil e tem até uma alça (e uma capa vendida avulsa no site oficial) caso bater um texto a máquina em público te pareça uma boa ideia.
Dito isso, escrever na Freewrite não é como escrever no computador, nem como escrever numa máquina mecânica. É outra coisa. E essa falta de familiaridade torna a experiência inicial meio frustrante, tipo transar com alguém pela primeira vez — raramente acerta de primeira, mas é preciso acreditar que com o tempo vocês encaixam.
Mas a Freewrite tem problemas. Existe uma comunidade Freewrite,r com direito a um fórum de discussões meio miado e na época em que eu frequentava alguns usuários discutiam que esses problemas não são exatamente pequenos pra um produto que custa hoje U$550. Já outras entendem que certos ajustes são inerentes a um produto assim diferentão. Eu insisti em não desanimar e encarei os problemas da minha Freewrite 1.0 como uma parte do processo, algo tão natural quanto meus typos. Passados cinco anos e alguns updates de firmware, alguns pequenos dramas foram resolvidos (lembro que no começo havia um alarme irritante sobre ligar o WiFi, isso mudou) e outros se tornaram algo com que posso conviver.
Por exemplo: não tem arrow keys. Isso significa que você não pode voltar para corrigir uma palavra errada três linhas acima, como num computador. O equivalente a passar branquinho e digitar por cima, como faria com papel, é apagar letra por letra.
É importante que o potencial comprador entenda uma coisa antes de investir seu suado dinheirinho: a Freewrite só escreve pra frente. Quem não usou máquina de escrever tradicional, mecânica, não sabe bem o que isso significa: que não existe o conceito de voltar e editar, essa é uma máquina de escrever e não um processador de texto. Funciona se você quer escrever em modo fluxo de pensamento, sem interrupções, sem ficar voltando e mudando linha de lugar, sem se preocupar com typos. Se você entende que essa escrita é apenas uma etapa zero de qualquer coisa, então a Freewrite é pra você. A Freewrite serve para fazer rascunho. E só. Consertar os typos, mudar ordem das frases, apagar ou acrescentar um parágrafo, inserir itálicos e negritos, tudo isso vem depois, na edição. O processador de texto que nos acostumamos a usar no computador é incrível por uma infinidade de motivos, mas interrompe o processo criativo também. Não por acaso existem vários "distraction free writing apps" por aí, incluindo um web based da própria Astrohaus, chamado Sprinter. Para algumas pessoas, quanto mais livre, fluido e sem interrupções for o processo de escrever, melhor para a criatividade e concentração. O Freewrite é pra essas pessoas.
Mais difíceis são defeitos de hardware. O teclado de língua estrangeira, por exemplo, configurável via Postbox (disponível em português, árabe, grego, hebreu, japonês, coreano, turco e outras línguas), vive voltando pro inglês do nada, e para usar eu preciso colar pequenos adesivos plásticos marcando como as teclas ficam quando seleciono o teclado em português. Mas há casos piores, como Freewrite defeituosas que desligam quando conectados a um MacBook com o cabo USB que vem com o aparelho. Na primeira leva algumas tiveram um defeito mecânico que travava o botão vermelho on-off. Outras da primeira geração simplesmente pararam de carregar a morreram. Tirando um probleminha na base que fica sambando na mesa, algo que dá pra resolver com um pedaço de papel, minha Freewrite, folgo em dizer, não teve nenhum problema desse tipo.
Dito isso, vamos à praticidade da coisa: a máquina exporta arquivos em .doc, .rtf e .pdf, via sync com Google Drive, Dropbox e email. Tudo isso é configurável na interface web chamada Postbox. Por lá também é possível para fazer o downloads e administrar seus arquivos. É possível desligar a luz da tela ou travar sua Freewrite com senha .A Freewrite carrega via USB com um cabo bem resistente. O mesmo cabo pode ser usado para transferir arquivos.
É seguro dizer que passado o estranhamento inicial, o encaixe vem. Eu e a Freewrite encaixamos muito bem, obrigada. A vida tem distrações demais. Na minha vida escrever nunca fica exatamente de lado, mas sempre rende menos do que eu gostaria. É raro conseguir meia horinha que seja de fluxo criativo. O melhor método anti-distração é escrever no caderno, mas passar pro computador depois é um processo chato. Então a Freewrite se tornou um outro método de escrever, bem agradável e eficiente (o teclado é maravilhoso). Depois eu carrego, edito, corto, mudo, mexo, corrijo, conserto ou jogo fora e esqueço.
Ao longo de cinco anos nesse sistema, escrevi um livro e dezenas de textos aproveitáveis. Tipo esse. Ou esse. Tem vários outros não aproveitáveis também. O que me leva à única feature da Freewrite que realmente me tira do sério e me fez escrever um email enfurecido pra equipe: não é possível apagar os drafts do sistema. Eles ficam lá, flutuando no limbo para sempre. E coisas inúteis flutuando no limbo pela eternidade nunca são algo bom.